Nos últimos dois anos, as doações em dinheiro do
Brasil para ajudar os civis sírios foram as mais baixas entre as dez
maiores economias do mundo.
Em 2013, o governo brasileiro doou US$ 250 mil
às vítimas do conflito na Síria. Rússia e a Itália, que estão atrás do
Brasil na lista, contribuíram com US$ 14,8 milhões e US$ 27 milhões,
respectivamente.
Nesse ranking, liderado pelos Estados Unidos (US$ 1,1 bilhão), o
Brasil aparece em meio a doadores como Islândia (US$ 280 mil), Croácia
(US$ 234 mil) e Cazaquistão (US$ 200 mil).
Para 2014, durante a Conferência Internacional
de Doadores para a Síria, o país prometeu dar US$ 300 mil - um valor que
o colocou ao lado de nações como Eslováquia, Croácia e Malásia, US$ 138
mil, US$ 206 mil e US$ 500 mil, respectivamente.
Analistas alertam para os impactos negativos das
contribuições aos sírios, considerada baixas, e criticam a falta de
clareza do governo sobre a política para ajuda humanitária. O Itamaraty,
por sua vez, critica doadores preocupados apenas em "assinar cheques e
dar um prato de comida".
Protagonismo?
Para Camila Asano, coordenadora de Política
Externa da ONG Conectas Direitos Humanos, o fato de o Brasil ser, entre
as 10 maiores economias do mundo, o país que menos doou para o alívio da
situação na Síria e em países vizinhos em 2013 mina o protagonismo que o
país pretende alcançar no cenário internacional.
"Fora que isso contraria o discurso do Itamaraty
e da própria Presidência, que frequentemente mencionam a importância
que a crise na Síria tem para o Brasil, citando o peso que a ascendência
síria tem na identidade nacional. E esse aspecto vem sempre acompanhado
pela declaração de compromisso em contribuir financeiramente com a
assistência humanitária ao país."
Doações feitas em 2013 (em US$)
- EUA: 1,1 bilhão
- União Europeia: 585 milhões
- Reino Unido: 413 milhões
- Alemanha: 331 milhões
- Japão: 122 milhões
- França: 27 milhões
- China: 3,2 milhões
- Itália: 27 milhões
- Rússia: 14,8 milhões
- Brasil: 250 mil
Fonte: UNOCHA
O cientista político americano Harold Trinkunas,
da Brookings Institution em Washington, afirma que o investimento em
assistência humanitária feito pelo governo brasileiro é "modesto",
comparado ao de outros países.
"E o Brasil prefere focar em países na América
do Sul e em nações africanas que falam português. No entanto, o não se
colocar como um grande doador em questões humanitárias, o Brasil limita
sua habilidade de influenciar decisões tomadas pela comunidade de
doadores em problemas fora da América do Sul e da África."
Orçamento reduzido
Do outro lado do jogo, o governo brasileiro
defende suas contribuições à Síria e a outros países, apesar de não
negar que é baixo o orçamento do governo para a assistência humanitária à
comunidade internacional, usado para emergências que vão de guerras a
desastres naturais.
"Temos hoje menos de um terço do que tínhamos há
quatro anos", disse à BBC Brasil o ministro Milton Rondó Filho,
coordenador-geral de Ações Internacionais de Combate à Fome do Itamaraty
(CGFome), explicando que o valor foi reduzido de US$ 50 milhões em 2010
para US$ 15 milhões neste ano.
"É claro que o Brasil perde poder de negociação
no cenário internacional. É uma proporção direta, quanto menos se doa,
menor o peso do país [nos debates]", disse.
Doações feitas em 2012 (em US$)
- EUA: 36, 1 milhões
- Alemanha: 14,9 milhões
- União Europeia: 11,1 milhões
- Reino Unido: 10,9 milhões
- Japão: 5,7 milhões
- França: 1,4 milhão
- Brasil: 536,6 mil
Fonte: UNOCHA
"Mas é difícil ter o bolo e comer o bolo. Não
há uma grande pressão por baixarmos os gastos públicos? Então, isso é
gasto público."
Para o professor de relações internacionais na
Fundação Getúlio Vargas Oliver Stuenkel, é justificável que haja uma
redução (na ajuda humanitária).
"De fato aqui existem muitos desafios internos,
então posso entender o governo. Mas acho que precisamos achar uma
estratégia de compromisso que possa ser mantida mesmo numa situação
ruim. Ouvi muitas reclamações de recipientes de ajuda brasileira de que
ela é muito imprevisível, o que afeta o planejamento financeiro de
países que dependem de ajuda.
'Enxugando gelo'
O ministro Rondó Filho argumenta que o governo
brasileiro segue uma estratégia própria não de ajuda, mas de "cooperação
humanitária sustentável". O objetivo, segundo ele, é fornecer não
apenas ajuda emergencial, mas também ferramentas para o país se
recuperar.
"Assinar um cheque é simples e fica com o nome
lá na lista (de doadores). Mas isso é enxugar gelo. Dar um prato de
comida e virar as costas? Nós buscamos dar um outro tipo de resposta",
afirmou Rondó.
Neste sentido, Rondó cita a ajuda dada pelo país
ao Haiti, devastado por um terremoto em 2014 e que hoje saiu do radar
dos grandes doadores. "Mantemos a atenção a essas crises (como no caso
do Haiti) e agimos com resposta emergencial e outra estruturante, que
traz resultados a médio prazo", disse Rondó, citando projeto em
território haitiano que fortalecem negócios locais, como uma leiteria e
escolas agro-ecológicas.
Para a coordenadora da ONG Conectas, no entanto, a posição do Itamaraty em relação a Síria é "muito preocupante".
"E é algo irresponsável diante dos mais de 9
milhões de sírios com necessidade imediata de assistência humanitária,
incluindo os 2,2 milhões de refugiados na Jordânia, Líbano, Turquia e
Iraque", diz Camila Asano.
"Em uma crise dramática como a da Síria, não há
espaço para um falso dilema entre ajuda humanitária e solução política.
Ambas são necessárias, urgentes e complementares", diz a coordenadora de
política externa da Conectas.
Promessas de doações feitas na reunião do Kuwait (em US$)
- Alemanha - 207 milhões
- Japão - 120 milhões
- Itália - 51,3 milhões
- México - 2 milhões
- Malásia - 500 mil
- Brasil - 300 mil
Fonte: UNOCHA
- Croácia - 206 mil
- Eslováquia - 138 mil
"Se Haiti é, efetivamente, prioritário em nossa
agenda de cooperação, essa opção deveria se tornar pública para
escrutínio sobre a aplicação e alocação dos recursos. A sociedade
brasileira tem o direito de saber quais são os países prioritários, as
razões dessa priorização e para quais áreas o dinheiro está indo."
Toneladas de arroz
A expectativa de ajuda humanitária para a Síria
em 2014 é, segundo Rondó, a de doar 4 mil toneladas de arroz, além de
outras ações.
"Com os recursos limitados e visto que o Brasil é
um grande produtor, essa é a alternativa", diz o ministro, em
referência à doação do arroz, que vem do excedente da produção nacional
que o governo estoca.
A doação deve ser feita à agência da ONU de
assistência a refugiados palestinos, já que 270 mil deles foram
obrigados a deixar os locais que viviam na Síria para escapar da guerra.
Rondó explica que apesar da logística de envio
ser complexa, nesse caso, compensa enviar arroz desde o Brasil em vez de
doar o dinheiro para uma agência humanitária. "Primeiro, porque não
teríamos esse valor mesmo, mas também porque trazer arroz da Ásia está
caro e provavelmente sairia daqui do Brasil mesmo."
Os custos da logística serão divididos entre
outros países que doarão mantimentos, e a operação deve ocorrer em duas
fases, uma em abril e outra em outubro.
No ano passado, foram enviadas 26 mil toneladas
de arroz beneficiado para 16 países, segundo a Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab).
BBC Brasil
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