Situação é mais grave em Natal. Em Manaus, diversos hotéis desistiram de esperar por acordo formal com a agência oficial
Faltam cerca de quatro meses para a Copa do Mundo e a
agência de viagens oficial da Fifa, a Match, já devolveu quartos
reservados em hotéis em diversas cidades sede. Isso acontece porque
demanda tem sido menor do que a esperada.
A agência é responsável pelo atendimento de exigências de hospedagem
de autoridades, representantes, convidados e funcionários da Fifa e do
Comitê Organizador Local (COL), seleções participantes e prestadores de
serviços.
O caso mais dramático é o de Natal, uma das cidades-sede do Mundial
de Futebol. Segundo o presidente da Associação Brasileira da Indústria
de Hotéis (ABIH) do Estado, Habib Chalita, metade dos quartos previstos
em contrato, em 37 hotéis da cidade, já foram devolvidos.
O executivo se diz surpreso. "Eles [a Match] anteciparam a devolução
em dez dias. Acho que até mesmo eles não esperavam", aponta. Na região,
Chalita afirma que os preços altos não são um problema. "As diárias
variam de R$ 200 a R$ 250, e ficamos no meio do caminho entre outras
duas cidades-sede, Recife e Fortaleza".
Em Manaus, no Amazonas, Roberto Simão Bulbol, presidente da ABIH do
Estado, conta que a Match nem chegou a formalizar o acordo com os hotéis
da região. Foi feito apenas um acordo informal sobre possibilidade de
bloqueios de quartos.
Temerosos por perder clientes corporativos, que recebem na cidade
durante todo o ano, 70% dos hotéis desistiram de esperar a Match e
resolveram comercializar os quartos no mercado. A ABIH representa cerca
de 50% da hotelaria na região.
Em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, a devolução de quartos
reservados pela agência variou de 30% a 40%, conta o presidente da ABIH
do Estado, Carlos Henrique Schmidt. "Surpreendeu. Não tínhamos
expectativa que fosse nesse nível", conta o empresário. O número
representa cerca de 1 mil apartamentos. A Match reservou 3 mil
apartamentos na cidade, que tem em torno de 10 mil leitos.
A estimativa, conta Schmidt, é que a devolução chegue a 50% até o
prazo final, cerca de dois meses antes do evento. "Porto Alegre está sem
espaço para abusos de preços. Quem achar que vai ficar milionário com a
Copa, vai micar".
Guilherme Verdun, gerente comercial do Diplomata Hotel, em Cuiabá, em
Mato Grosso, conta que a devolução na rede atingiu 20%. "Muitos
disseram que iam faltar leitos na cidade. Mas alguns jogos não estão
tendo demanda".
Em Curitiba, no Paraná, a devolução de quartos em alguns hotéis chegou a atingir 25%.
Procurada, a Match informa que já contratou parte dos quartos de mais
de 800 hotéis em todo o País, principalmente na faixa de três a cinco
estrelas
Critérios para iberação de quartos
Iniciadas em dezembro de 2013, as liberações de quartos reservados
pela Match, segundo a agência, seguiram o período inicial de vendas
depois do sorteio final dos jogos, em 6 de dezembro, e aconteceram em
antecipação ao prazo contratual de 31 de janeiro deste mês. A previsão
era liberar até essa data ao menos 50% dos pernoites que não tivessem
sido distribuídos aos clientes.
A Match aponta que a devolução de quartos segue a seguinte ordem:
propriedades inteiras pelas quais não havia demanda (hotéis localizados
principalmente, mas não exclusivamente, fora das 12 cidades-sede),
redução do período total pelo qual alguns dos quartos foram reservados,
liberação de pernoites pelos quais não houve demanda (em muitos casos,
noites em que nenhuma partida estará acontecendo na respectiva
cidade-sede ou partidas nas quais a oferta ultrapassa a demanda por
hospedagem).
A agência da Fifa, em nota, aponta que manterá em estoque os
pernoites já vendidos, assim como uma reserva de quartos remanescentes
para uma demanda maior esperada para períodos de pico. "As reservas
efetivadas são muito positivas", resume. A Match diz não ser possível
colocar as devoluções em porcentuais.
Empresários citam dificuldades
Como dificuldades para uma ocupação maior em Natal, Chalita fala em
apagão da aviação, com voos concentrados em poucas companhias, aliados à
grande extensão do País. "O turista vem acompanhar sua seleção. Mas as
seleções vão rodar muito. Ele não vai conseguir acompanhar".
A Fifa inicialmente havia proposto que os jogos acontecessem em
apenas oito cidades. A intervenção do governo para que o Mundial no
Brasil fosse realizado em 12 locais, em um país com dimensões
continentais, estressou a malha aérea, na visão dos empresários. Isso se
reflete na ocupação mais baixa no setor hoteleiro.
Diante deste cenário, Schmidt acha difícil comparar a ocupação dos
hotéis no País com Copas anteriores. "A opção por não concentrar jogos
por chave em determinada região também não contribui. As cidades ficam
dependentes da malha aérea. Existem jogos de algumas seleções que, em
três dias, o torcedor teria que ir de Porto Alegre para Fortaleza.
Praticamente cruzar o País inteiro".
“É mais fácil viajar para o exterior do que fazer turismo nacional em alguns casos" (Habib Chalita, da ABIH de RN)
Os hoteleiros também indicam preços altos. "Fechamos com a Match uma
diária de R$ 550. A agência fica com uma comissão de 30%", diz Schmidt,
de Porto Alegre. "É mais fácil viajar para o exterior do que fazer
turismo nacional em alguns casos", conclui Chalita.
Concentração em algumas praças
Alfredo Lopes, presidente da ABIH no Rio, é uma voz dissonante em
meio a lamúrias. Perguntado sobre se houveram devoluções de quartos, ele
não teve notícia disso. "Pelo contrário, estão procurando", conta. "A
devolução de quartos era esperada em algumas regiões. Mas, no Rio, nunca
foi cogitada".
A ocupação na cidade que irá sediar a final do Mundial e que também é
preferida dos turistas estrangeiros, conta o empresário, já chega perto
de 90%. A demanda alta foi um impulso para tarifas médias atingirem R$ 1
mil na cidade, segundo levantamento do site de comparação de preços
Trivago.
Lopes prevê que a Copa irá inverter a equação de turistas
estrangeiros e nacionais. "Esperamos que 70% da rede hoteleira seja
ocupada por turistas estrangeiros. No Réveillon e no Carnaval, 60% a 70%
dos turistas são brasileiros".
Em Salvador, na Bahia, a ocupação também vai bem, segundo Manolo
Garrido, presidente da ABIH do Estado. "A cidade foi contemplada com
jogos de seleções importantes e existe uma procura intensa por reserva
nos hotéis", conta.
A expectativa é ter 100% de ocupação da rede hoteleira nos dias de
jogos na cidade, sobretudo nas partidas entre Portugal e Alemanha e
Espanha e Holanda. Nos demais dias, a ocupação deverá oscilar entre 80% a
90%.
Quebra-cabeça complexo
Bruno Omori, presidente da ABIH em São Paulo, também não está
otimista. "O único dia que irá lotar a cidade é a abertura. Logo depois,
a ocupação deve cair para 40%", estima. "Há intervalos de sete dias
entre jogos na cidade. Não há o que fazer neste período".
Em sua opinião, hotéis que não fecharam com a Match na cidade, estão
"perdidos". "Quem fechou está devolvendo quartos, imagina quem não
fechou. A cidade vai sediar jogos pouco atrativos".
A devolução de quartos de hotéis pela Match no Recife, em Pernambuco,
girou entre 10% a 15% até agora, diz Carlos Maurício Piriquito. "Sempre
olhei a Copa com cautela. Recebemos a última nos anos de 1950. Não
temos experiência. Mas, ao menos aqui, temos com grandes eventos, como o
Carnaval".
Um gerente de um hotel em Belo Horizonte, que não quis se
identificar, também conta que a cidade vem recebendo um bom fluxo de
turistas. "A devolução aqui foi, de, no máximo, 10% dos quartos.
Acreditamos que vamos ter poucos problemas. Daqui é fácil se deslocar
para o Rio, Salvador e Brasília. Temos este privilégio de estar no
centro do País".
Vice-presidente da ABIH do Distrito Federal, Plinio Mendes Rabelo
Junior não arrisca previsões sobre a ocupação em Brasília. "Estamos com o
pé no chão. Sabemos que muitos países europeus estão em crise. Não há
uma onda de euforia". Ele indica, porém, que já houve devoluções de
quartos na cidade.
Em Fortaleza, que irá sediar dois jogos da Seleção Brasileira e um da
Alemanha, hotéis não reclamam da procura por reservas, apesar de um
deles apontar devoluções de quartos na cidade.
Incentivos a mais e expectativa
Para Schmidt, as devoluções precoces de quartos pela Match, por outro
lado, dá tempo hábil para buscar alternativas. "A Fifa se resguardou de
problemas. Agora a gente tem de resolver".
Ele espera que a demanda se consolide dois meses antes do evento.
"Por enquanto temos muito bloqueios. Poucas pessoas são precavidas para
reservar hospedagem de forma adiantada".
Para atrair turistas a partir de agora para Natal, sem a comodidade
de pacotes que incluam ingressos, como os oferecidos pela Match, Chalita
anuncia que o foco serão hospedagens fora de pacote, com mais
flexibilidade. "O estádio fica perto dos hotéis. Isso facilia a
mobilidade". A cidade oferece cerca de 28 mil leitos.
Os empresários esperam a definição de mais voos após a divulgação da
nova malha aérea durante o evento esportivo, que podem impulsionar a
vinda de mais turistas.
IG.
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