A musa loura do axé também é a mulher de negócios que trata sua imagem de artista de modo profissional
São tantas e tão extensas as contribuições da Bahia à
música brasileira que é possível afirmar que, sem elas, a MPB
simplesmente não existiria. Seria possível reconhecer o cancioneiro
nacional sem samba e Dorival Caymmi, João Gilberto e Caetano Veloso,
Gilberto Gil e Novos Baianos, trios elétricos e Olodum? Certamente, não.
Há duas décadas, a MPB tornou-se tributária também do axé, um ritmo
carnavalesco recebido, a princípio, com desconfiança e uma boa dose de
preconceito pelo resto do país. Na voz de Daniela Mercury, o axé
atravessou, no princípio dos anos 1990, as divisas da Bahia. Com Ivete
Sangalo, consolidou-se como um gênero respeitável, na década seguinte.
Agora, é Claudia Leitte, a musa loura do axé, quem apresenta sua
contribuição. E ela está no campo dos negócios. Claudia profissionalizou
sua empresa de uma forma que pode inspirar – e, quem sabe, até
transformar – a gestão do showbiz no país.
A 2Ts, fundada por Claudia há um ano, tenta transformar o
relacionamento dos músicos com o mercado publicitário. Os anunciantes,
as agências e a receita que eles podem trazer ainda são encarados como
uma questão secundária pela maior parte dos artistas. É uma herança dos
anos em que a venda de discos enriquecia artistas. Essa lógica ruiu
quando surgiram os MP3, no início dos anos 2000. A indústria fonográfica
foi devastada. Os cantores converteram os shows em base de seu
faturamento. Começou a era dos cachês. Hoje, os bem-sucedidos ganham
fortunas com apresentações quase diárias, sustentadas por uma agenda
extenuante de viagens. Essa rotina implica desgaste físico e uma
superexposição capaz de arruinar carreiras. Claudia pode ter encontrado a
saída para essa armadilha nas antes subestimadas oportunidades da
publicidade. Para isso, adotou uma nova postura diante dos anunciantes,
mais propositiva e provocadora.
Claudia encontrou a porta. Faltavam a chave e o porteiro. Achou a primeira há um ano, quando se desvencilhou de seus antigos agentes – que basicamente vendiam seus shows – para fundar a 2Ts. A razão social da empresa vem, claro, de seu sobrenome, turbinado com um T a mais do que recebeu no batismo. Para administrá-la, contratou executivos com passagens por multinacionais, carreiras no exterior – e, curiosamente, sem experiência no mundo artístico. Deu o cargo de presidente a Fábio Neves, ex-vice-presidente de marketing da Xerox na América Latina. Com passagens pela Canon, pela Xerox, pela HP e pelo Serasa, Marco Serralheiro assumiu o marketing e o licenciamento de imagem. Neves e Serralheiro concluíram que sua primeira tarefa era entender o produto que tinham em mãos. Para isso, contrataram pesquisas sobre a imagem da cantora.
Incumbida da tarefa, a Ilumeo descobriu que Claudia agrada tanto ao público que gosta de axé quanto ao que não gosta. A dupla de executivos percebeu, então, que a “loura do axé” era identificada com um valor maior que o ritmo carnavalesco. Encontraram assim o caminho para situar a 2Ts no mercado. “Sou uma cantora de axé. Axé é alegria. Então, eu vendo alegria”, diz Claudia.
A partir daí, a 2Ts adotou a expressão “empresa de alegria” como seu
cartão de visitas. O passo seguinte foi procurar agências e anunciantes,
para apregoar os trunfos de vendedores de Claudia. Nesses encontros, os
executivos exibem dois tipos de pesquisa: aquelas que monitoram a
percepção sobre Claudia e as que revelam os públicos mais receptivos a
ela. No fim, acompanham os resultados obtidos por quem a contratou. “O
mercado já começa a perceber que investir em publicidade com um cantor
dá um retorno às vezes superior ao que se consegue com um ator”, diz
Guga Pereira, diretor XYZ Live, líder nacional no ramo de
entretenimento.
DOS HOLOFOTES PARA AS PRATELEIRAS
DOS HOLOFOTES PARA AS PRATELEIRAS
1. Claudia Leitte gravou em junho um filme publicitário para os
chocolates Garoto 2. Em maio, fez em São Paulo uma de suas mais de dez
apresentações mensais 3. Em 2012, na gravação do The voice, programa de
talentos
DOS HOLOFOTES PARA AS PRATELEIRAS
1. Claudia Leitte gravou em junho um filme publicitário para os chocolates Garoto
2. Em maio, fez em São Paulo uma de suas mais de dez apresentações mensais
3. Em 2012, na gravação do The voice, programa de talentos da TV Globo. A atração aumentou a empatia entre a cantora e o público. Em dezembro, quando ela saiu do ar, o valor de Claudia para o mercado de propaganda chegou ao patamar atual
As pesquisas posteriores da Ilumeo mostram que Claudia tem uma
penetração maior nos contingentes femininos das classes C e D, mulheres
admiram aquelas capazes de conciliar trabalho e família. Revelam também
que a recepção positiva sobre Claudia deu um salto depois que ela
participou do The voice, programa de talentos da TV Globo. O crescimento
foi sentido, sobretudo, nos atributos de simpatia, determinação e
confiabilidade. “Artistas que se tornam marcas, como Claudia, devem ser
tratados como empresas. Os valores associados a eles têm de ser
identificados e reforçados para atrair anunciantes”, diz Eduardo
Lorenzetti, da NeogamaBBH.
Foi o que aconteceu. Há um ano, Claudia representava duas marcas.
Agora, são 12, entre elas Gol, Sky, Guaraná Antarctica e Nestlé. No Dia
das Mães, a Riachuelo contratou-a como garota-propaganda. O estoque da
coleção que ela anunciou se esgotou duas semanas antes da data. “Nosso
site recebeu mais de 100 mil visitas”, diz Marcella Kannder, diretora de
marketing da Riachuelo. Os chocolates Garoto viram seu número de fãs no
Facebook pular de 360 mil para 4,6 milhões, depois que exibiu na TV uma
campanha protagonizada por Claudia e pelo cantor sertanejo Michel Teló.
Com mais publicidade e licenciamento, o faturamento da 2Ts subiu 44% em
um ano. Segundo estimativas do mercado, hoje está na casa dos R$ 50
milhões anuais.
A CEO DO AXÉ
A CEO DO AXÉ
Agora com uma centena de funcionários, a 2Ts prepara-se para
representar outros músicos. O primeiro é a cantora Mira Callado, do The
voice. Os executivos da empresa acreditam que, com cinco bons artistas,
reduzirão de 50% para 40% a participação dos shows de Claudia no
faturamento da 2Ts – o restante virá de publicidade, licenciamentos e
vendas de CDs, DVDs e MP3. Outro desafio é usar a Copa de 2014 para
expor Claudia ao público estrangeiro. Na semana passada, ela se
apresentou nos festivais de jazz de Milão e de Montreux. Para aproveitar
a oportunidade da Copa, a 2Ts lançará Axemusic, o próximo DVD de
Claudia.
O sucesso obtido pela 2Ts em seu primeiro ano pode mascarar os riscos
que um artista corre quando decide empreender. Ivete Sangalo não teve o
mesmo sucesso. Ela empreendeu numa área diferente, a produção de shows.
Sua empresa, a Caco de Telha, perdeu fortunas em 2010, pilotando as
turnês brasileiras de Beyoncé e Black Eyed Peas. Auditores identificaram
um rombo de R$ 60 milhões, excesso de pessoal e dívidas trabalhistas.
Ivete profissionalizou a direção, demitiu funcionários, parentes e até
seu irmão. “Enxugamos muito sem reduzir a receita”, diz Fábio Almeida,
diretor da Caco de Telha.
O som do dinheiro (Foto: D. Dipasupil/FilmMagic, Deco Rodrigues/Editora Globo e Ricardo Cardoso/Editora Globo)
No sertanejo, outro segmento lucrativo, duas experiências se destacam – embora nenhuma delas tenha a abrangência da de Claudia Leitte. A FS, de Fernando e Sorocaba, é um exemplo de sucesso. Em 2010, a dupla recebia mais convites do que podia aceitar. Para não perder mercado, passou a agenciar outros cantores. “Sabíamos que buscariam um substituto noutro escritório. Pensamos: vamos oferecer um nosso”, diz Sorocaba, a cabeça empresarial da dupla. Para ampliar o negócio, ele entregou o marketing a um parente que atuava no mercado publicitário e a venda de shows a um profissional de eventos. A nova estrela do sertanejo Paula Fernandes tateia nesse caminho. Em fevereiro, abriu a Jeito de Mato. “Quando era agenciada, sentia falta de um envolvimento com minha carreira. Com uma estrutura profissional, posso planejar o futuro”, diz.
O som do dinheiro (Foto: D. Dipasupil/FilmMagic, Deco Rodrigues/Editora Globo e Ricardo Cardoso/Editora Globo)
No sertanejo, outro segmento lucrativo, duas experiências se destacam – embora nenhuma delas tenha a abrangência da de Claudia Leitte. A FS, de Fernando e Sorocaba, é um exemplo de sucesso. Em 2010, a dupla recebia mais convites do que podia aceitar. Para não perder mercado, passou a agenciar outros cantores. “Sabíamos que buscariam um substituto noutro escritório. Pensamos: vamos oferecer um nosso”, diz Sorocaba, a cabeça empresarial da dupla. Para ampliar o negócio, ele entregou o marketing a um parente que atuava no mercado publicitário e a venda de shows a um profissional de eventos. A nova estrela do sertanejo Paula Fernandes tateia nesse caminho. Em fevereiro, abriu a Jeito de Mato. “Quando era agenciada, sentia falta de um envolvimento com minha carreira. Com uma estrutura profissional, posso planejar o futuro”, diz.
Claudia e os sertanejos se inspiram em exemplos de fora, onde é cada
vez mais comum que artistas empreendam. O caso mais eloquente é a Roc
Nation, sociedade do rapper Jay-Z com a Live Nation, gigante da área do
entretenimento. Formada em 2008, a Roc Nation agencia artistas mais
famosos que o dono, como Rihanna ou Shakira. “A profissionalização impõe
desafios aos artistas, mas é um movimento natural”, diz o pesquisador
Tiago Dória, do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Para os
músicos, é mais do que isso. Com empresas bem-sucedidas, eles estarão
mais preparados para enfrentar quedas de popularidade e poderão reservar
tempo para a vida pessoal. É o objetivo de Claudia: “Quero mais
recursos, mas não abro mão de ver meus filhos, Davi e Rafael, crescer”.
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