Seja
no campo do esporte ou das manifestações sociais, as forças de ataque e
defesa se encontram numa barreira que separa os cariocas entre a
rejeição e o entusiasmo pelo desempenho da seleção na Copa. Diante da
fronteira que se move no calor das emoções, a frieza dos números
estabelece limite que dá razão aos dois lados. Pesquisa realizada pela
UniCarioca logo após a divulgação da lista dos 23 convocados revelou,
nas nove perguntas feitas a 668 entrevistados, quase a mesma divisão que
deixa os otimistas com ligeira vantagem em relação àqueles que estão
descontentes com as escolhas do técnico Luís Felipe Scolari.
Se basta para garantir a eleição de um governante no primeiro turno, a
metade mais um dos votos só serve ao técnico da seleção para mostrar que
a outra parte está contra ele, e para reforçar as diferenças entre
futebol e política. Enquanto 55% dos entrevistados pretendem torcer pela
seleção na Copa, os 45% que rejeitaram essa possibilidade se dividem
entre os 22% que não gostam de futebol, e outros 23%, para os quais “o
povo deveria ter outras preocupações, como saúde, educação”.
— Todo mundo sabe que há coisas mais importantes do que a Copa, mas uma
coisa não exclui a outra. Minha preocupaçao é que a rejeição, que
começou de forma espontânea, seja usada pelos partidos em ano de eleição
— disse o sociológo Ronaldo Helal, que é especializado em esporte mas
não tem ligação com o grupo que fez a pesquisa. Para ele, a indiferença à
seleção tem motivos que vão além da política. — Não é só pelo fato de a
Copa ser no Brasil. Imagino que o percentual daqueles que não torcem
pela seleção era parecido em 2010. Dos anos 1980 para cá, os torcedores
se identificaram muito mais com seus clubes.
A briga entre vizinhos fez de Fred o jogador mais indesejado da lista,
com 10% dos votos entre os jogadores que não mereciam ser convocados,
seguido por Henrique e Hernanes, ambos com 6%, e de Hulk e Neymar, com
5%. No sentido contrário, o clamor por qualquer nome excluído é bem
menor do que a indiferença. Enquanto 46% dos entrevistados não opinaram
sobre o nome que deveria ter sido lembrado, Ronaldinho Gaúcho, com 12%,
foi o mais pedido, seguido por Robinho (9%) e outros (7%). Com 13%, a
opção “nenhum jogador deveria ser convocado” é maior do que o pedido por
qualquer nome que ficou de fora.
Sem polêmicas nem grande adesão, a convocação final teve a aprovação de
57% dos entrevistados, dos quais 39% consideraram a lista boa, apesar da
falta de jogadores importantes e outros 18% a qualificaram a escolha de
Felipão como perfeita. Entre os 43% que ficaram contrários ou alheios,
29% disseram que a lista é ruim e que essa seleção não lhes representa.
— A graça da Copa do Mundo é fazer de conta que se trata de um confronto
entre nações. A seleção parece mas não é a nação — disse Ronaldo, ao
pendurar as chuteiras que Nelson Rodrigues vestiu na pátria ao associar o
triunfo do futebol ao do país. — A Copa de 1950 foi sentida como uma
derrota de todo o país porque naquela época ainda era forte a idéia de
Estado Nação que vigorou dos anos 1930 ao 1970. Com a globalização, a
ligação com os ídolos se descola cada vez mais do terrório e da questão
nacional.
Há outros conceitos que trafegam entre a sociologia e o futebol. Tema do
livro de Zuenir Ventura, que revelou os abismos sociais do Rio em 1994,
“Cidade Partida” também se aplica à expectativa dos cariocas em relação
ao desempenho da seleção na Copa. Exatos 50% dos entrevistados
acreditam que o time de Felipão tem capacidade de ser campeão. Na metade
da descrença, 13% entedem que o assunto não lhes diz respeito.
Quando as chances das demais seleções para chegar ao título são
incluídas, o Brasil aparece com 46% da preferência, seguido por Alemanha
(14%), Argentina e Espanha, ambas com 9%. Das nove perguntas, essa é a
única em que a desconfiança supera a aprovação. A exceção serve para
confirmar a regra da cidade partida. Se, na época do lançamento do livro
de Zuenir, o futebol serviu para unir a todos na celebração do tetra,
dessa vez ainda há um abismo a ser transposto para que a seleção de
Felipão faça o mesmo.
A pesquisa foi feita por sete entrevistadores que aplicaram o mesmo
questionário pelas ruas do Centro do Rio entre às 14h e às 17h da última
quarta-feira. Além de deixar mais claras as preferências, a reprodução
dos resultados em em forma de pizza remete ao desafio que a Copa
anuncia. No lugar do temor de que tudo acaba como sempre, a divisão das
opiniões sugere uma vontade de fazer diferente. Se o desfecho é
imprevisível, ao menos pelo paladar do torcedor carioca, a Copa já
começou com uma pizza que não agrada a todos: meia entusiasmo, meia
rejeição.
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